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O TEXTO COMO UNIDADE DE ENSINO APRENDIZAGEM

Foto Reproduçõ: Romero Britto

APRENDER A LER E A ESCREVER LENDO E PRODUZINDO TEXTOS

Ana Maria Louzada

Ao delinearmos o trabalho sobre “O Texto como Unidade de Ensino e de Aprendizagem” na Alfabetização precisamos refletir sobre como concebemos o conceito de sujeito, leitura, produção de texto e de alfabetização, tendo em vista que uma das finalidades fundamentais da Alfabetização é possibilitar a formação de sujeitos leitores e produtores de textos com consciência crítica.

Quando nos remetemos à formação de sujeitos leitores e produtores de textos com consciência crítica, estamos inserindo no debate uma análise sobre a relação entre educação e transformação social. E ainda, estamos nos remetendo à importância de trabalharmos com práticas de leitura e de produção de textos com sentido e significado. Práticas que promovam o pensamento crítico, reflexivo e autônomo.

Conceber o texto como unidade de ensino e de aprendizagem é considerar que a leitura e a escrita é uma atividade especificamente humana, de natureza dialógica. É levar em consideração a importância de a criança aprender a ler e a escrever criticamente.  Por isso, a escola precisa organizar o trabalho pedagógico de forma que garanta a formação de sujeitos que saibam

correlacionar informações e se posicionar criticamente frente a elas. Dessa forma, uma prática alfabetizadora que trabalhe as unidades menores da língua isoladas do seu contexto e não favorece com isso que os alunos explorem e reconstruam todas as possibilidades de sentidos dessas unidades cerceia a oportunidade de construção e reconstrução de diálogos entre as crianças e a produção da própria cultura. É no texto (oral ou escrito) que as unidades menores da língua encontram seu significado mais pleno. (Gontijo e Schwartz, 2009, p.84).

Assim, necessário se faz, refletir sobre as práticas pedagógicas que ainda consideram o processo de alfabetização como um processo de decodificação e codificação de palavras; que consideram a sílaba como unidade de ensino; que ainda veem o texto apenas como pretexto para ensinar os diferentes conhecimentos; que promovem a leitura e a produção de textos descontextualizados das necessidades reais de leitura e de produção de textos.

E ainda, precisamos refletir sobre as práticas pedagógicas que se ancoram na ideia de que primeiro a criança aprende a ler e a escrever para depois aprender os conhecimentos das demais áreas do saber. Práticas que se baseiam na premissa de que primeiro a criança deve aprender a ler e a escrever palavras e pequenas frases, para depois interagir com situações de leitura e de produção de texto.

Refletir sobre as referidas práticas significa trazer para as discussões, as questões relativas ao sentido real das atividades de leitura e de produção de textos no contexto sócio histórico em que vivemos. Significa analisar a concepção de ensino aprendizagem da leitura e da escrita, bem como dos demais conhecimentos que permeiam o processo de Alfabetização.

Para tanto se fazem necessárias algumas reflexões:

1) Para que e por que lemos e escrevemos?
2) Para que e por que devemos aprender a ler e a escrever?
3) Quais leituras e produções de textos as crianças já fazem?
4) O que significa ler e produzir textos para as crianças? E para as professoras e as pedagogas?
5) Como aproximar as experiências de leitura e de produção de textos vividas no contexto da escola, com aquelas vivenciadas fora da escola e vice-versa, visando dar sentido ao processo de Alfabetização?
6) Como devemos então ensinar as crianças a lerem e a escreverem?

No nosso cotidiano fora da escola, nós não lemos para alguém tomar nossa leitura, não lemos para fazer prova, não escrevemos para alguém corrigir e ficar no caderno. Lemos para buscar informações, conhecimentos, visando responder algumas questões sejam de estudos nas escolas, ou de ordem pessoal como ler a bula do remédio, ler a lista de compras para garantir que compremos o que relacionamos como necessário. Lemos o formulário para entendermos o que responder. Lemos o jornal para buscar diferentes informações. Lemos pelo prazer de ler um livro de romance, de poesias, etc.

E ainda, escrevemos para registrar nossa memória, para guardarmos informações que possivelmente precisarão ser retomadas num outro momento (agendas, lista de compras, relatórios, receitas, etc.). Para comunicarmos ideias, opiniões, conhecimentos (livros, panfletos, cartas, e-mail, jornal, revista, etc), para orientar o outro (receita, formulário, bula de remédio, manual de instrução, etc.), para solicitar coisas (bilhete, e-mail, carta, ofício, requerimento, etc.), para propagar coisas (panfletos, folder, outdoor, classificados, propagandas em revistas, etc). No entanto a experiência com leitura e produção de textos em sala de aula, ao longo da história da instituição escolar, tem assumido um papel muito diferente e distante daquele vivido fora da escola, pois ainda nos deparamos com práticas pedagógicas de leitura e de produção de textos de cunho avaliativo.

Tais questões exigem revisão das práticas pedagógicas que não se aproximam dos motivos reais de leitura e de produção de textos que vivenciamos no nosso dia a dia fora da escola. Isto porque a criança precisa ver sentido no aprender a ler e a escrever. Precisa utilizar/vivenciar diferentes experiências de leitura e de escrita com sentido e significado.

Nesse sentido

A alfabetização não implica, obviamente, apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança com a escrita. A alfabetização implica, desde a sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo implica, mais profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura – para quem eu escrevo, o que escrevo e por quê? A criança pode escrever para si mesma, palavras soltas, tipo lista, para não esquecer, tipo repertório, para organizar o que já sabe. Pode escrever, ou tentar escrever um texto, mesmo fragmentado, para registrar, narrar, dizer... mas essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor (Smolka, 1993, p.69).

Tais questões nos instigam a repensar a concepção de formação de hábitos de leitura e de produção de textos, tendo em vista que a atividade de leitura e de produção de textos, é uma atividade especificamente humana, é um trabalho simbólico, é uma forma de linguagem, originária na dinâmica das interações humanas, portanto, de natureza dialógica. A atividade de leitura e de produção de textos é mediação, é memória, é prática social.

Isso significa que, ler e produzir textos não devem ser considerados como um mero “hábito adquirido, mas como atividade inter e intrapsicológica, no sentido de que os processos e os efeitos desta atividade de linguagem transformam os indivíduos enquanto mediam a experiência humana” (Smolka, 1989).

As práticas que ainda consideram a formação de hábitos de leitura e de escrita, geralmente ignoram a leitura e a produção de textos enquanto uma atividade tipicamente humana, enquanto prática social, pois seu foco é o treino de habilidades de ler e de escrever.

As crianças treinam para serem avaliadas, ora por meio de provas, ora por meio da prática de “tomar leituras”, ora pela produção de textos visando treinar a escrita e, assim a professora corrige e verifica se está bom ou ruim, evidenciando com isso práticas com finalidades de avaliação.

Desta forma, se faz necessário vivenciar atividades de leitura e de produção de textos que levem em consideração as reais necessidades dessas atividades para a criança, de forma que a criança possa no processo de alfabetização se apropriar da importância de aprender a ler e a escrever enquanto um direito.

E, assim, poder vivenciar essas atividades no seu cotidiano não pelo mero hábito, mas pela importância de por meio da leitura e da produção de textos resolverem suas situações problemas.

Dependendo do projeto de estudo pode surgir necessidade de escrever um ofício para o líder comunitário, salientando, a necessidade de refletir junto à comunidade os motivos pelas quais ainda continuam colocando lixo na porta da escola. A produção do texto/ofício nesse caso tem um sentido real, um interlocutor real.

Aprender como se escreve um ofício terá sentido e significado. Se debruçar na análise de como se escreve as diferentes palavras que constarão no ofício, podendo fazer análise e síntese das mesmas e assim reconstruir suas hipóteses sobre como se escreve cada palavra, num processo de construção e reconstrução de conceitos possibilitará a criança se apropriar dos conhecimentos do sistema de escrita de forma significativa.

Isso porque,

Na vida real, as pessoas não pronunciam palavras isoladas. Quando alguém se põe a falar, sua intenção é dar uma informação completa, e isso acontece através de um texto. Somente em circunstâncias especiais, num contexto específico, as pessoas dizem palavras isoladas, mas estão inseridas num texto maior ou são esperadas como resultados de ações ocorridas. Assim, se alguém fizer uma pergunta, posso responder dizendo “Sim” ou “Não”. Esse tipo de resposta faz parte de um texto maior, que motivou a resposta. Na verdade, o texto continua na resposta do interlocutor. Houve apenas mudança de falante. Em outro contexto, se alguém grita por socorro, ou dá uma ordem, tendo em vista a necessidade do momento, dizer apenas uma palavra é o que basta, dada a situação. Normalmente, o que acontece é um uso da linguagem que obriga o locutor e o ouvinte a produzirem um texto e não palavras isoladas. O tamanho do texto varia. As pessoas falam o que acham que precisam falar, organizando o conteúdo e o estilo do texto de acordo com a sua vontade. (Cagliari, 1998, p.198).

Considerando tais questões, a criança compreenderá melhor como se escreve o um texto, se dedicará com mais interesse na escrita das diferentes palavras, buscando de acordo com o seu percurso, tempo e nível de aprendizagem construir e reconstruir conceitos a respeito do que deve escrever naquele tipo de texto.

Mas para que saibamos o que, como, para quem dizer e porque dizer, necessário se faz que o projeto de estudo seja discutido, planejado, executado e avaliado com as crianças, tirando-as da situação de meras executoras para a de co-autoras do projeto. Um projeto coletivamente, planejado, executado e avaliado, exige o reconhecimento da criança produtora de linguagem, de conhecimento e de cultura.

Por isso, salientamos que o texto deve ser concebido como o elo articulador no processo de apropriação dos diferentes conhecimentos, incluindo nesse sentido a aprendizagem da leitura e da escrita.

A apropriação dos conhecimentos de matemática, história, geografia, língua portuguesa, ciências, artes, educação física, etc., devem ser mediadas tendo o texto como ponto de partida e de chegada.

Assim, cabe à escola ensinar a ler e a escrever por meio de diversos tipos de textos que abordam diferentes conhecimentos de história, geografia, ciências, arte, matemática, etc.

Daí a necessidade de também rompermos com as práticas que consideram no processo de Alfabetização, apenas os textos literários, as narrativas e os fragmentos de textos que muitos livros didáticos propõem.

É importante dizer também, que as práticas pedagógicas que têm levado em consideração a Alfabetização a partir do texto se diferenciam da nossa proposição, pois concebemos o texto como unidade de ensino aprendizagem.

A alfabetização a partir do texto utiliza-o como pretexto para trabalhar unidades menores da língua, para apenas motivar a introdução de determinados assuntos. Esse tipo de prática não dá visibilidade ao texto. Já a Alfabetização com o texto, considera-o como unidade de ensino e de aprendizagem.

O texto se evidencia no processo de apropriação dos diferentes conhecimentos. Desta forma damos visibilidade à leitura e à produção de diferentes textos, enfatizando a formação de sujeitos leitores e produtores de textos, sujeitos que dialogam com os diferentes conhecimentos por meio do texto.

Se você desejar ler o artigo na íntegra clique aqui!

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